segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Cultura Visual no Ensino de Arte Contemporâneo: singularidades no trabalho com as imagens

A Cultura Visual no Ensino de Arte Contemporâneo: singularidades no trabalho com as imagens
Erinaldo Alves do Nascimento

Originalmente publicado na edição nº42, julho de 2006, do Boletim Arte na Escola

( http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos_texto.php?id_m=50)
Adaptação.

[...]
Estamos vivendo uma época de intensa proliferação do visual na qual se desenvolve, paulatina e continuamente, um processo de rechaçamento da “identidade como eu” e uma valorização da “identidade como nós”. Considero que o homo clausus [Expressa a compreensão de "homem no século XIX e início do Século XX para qual esse homem era fechado "
fechado em si mesmo” ou possuía uma personalidade "fechada”  Homo Clausus significa "homem fechado" ou "personalidade fechada" e era um entendimento de que o homem vivia independente das relações sociais e sua identidade era dada ao nascimento e não uma construção social, como compreendemos atualmente], cunhado por Norbert Elias como uma invenção da modernidade, esteja, aos poucos, sendo questionado, e é provável, caso essas propostas venham a ser efetivadas, que, no
lugar de um sujeito individualista, desponte um outro sujeito, mais aberto para, continuamente, questionar as interpretações sobre si, estranhando as noções familiares e os julgamentos sobre o outro, tentando tornar familiar o que parece ser estranho.

Em razão das condições de possibilidades mencionadas, que podem ser associadas a muitas outras, começa a repercutir, cada vez mais, as contribuições da cultura visual. No Congresso Internacional do INSEA (International Society for Education Trough Art), realizado em Viseu, Portugal, de 01 a 05 de maio de 2006, como registra o Boletim Arte na Escola, n. 41, a Cultura Visual foi o centro dos debates.

Por ser um campo de estudo e ensino ou, como prefiro chamar, uma perspectiva educacional em Artes Visuais ainda emergente – e considerando que não se preocupa em estabelecer fronteiras disciplinares e metodológicas – a cultura visual vem sendo alvo de várias interpretações, algumas delas contraditórias. Há, ainda,
muitas dúvidas sobre as distinções entre a cultura visual e outros referenciais de análise de imagens. O panorama fica mais complexo quando se sabe que há várias maneiras de interpretar a cultura visual. Faz-se necessário compreender que uma coisa é enxergar as imagens pertencendo à cultura visual de diferentes momentos históricos;
outra é trabalhar na educação formal e não-formal empregando tal perspectiva.

Alimento a suspeita que a cultura visual – sobretudo aquela que questiona as visualidades (o modo como vemos) e as imagens como portadoras de significados ou “suportes de verdades” – tem seu lastro em alguns dos princípios difundidos por Foucault  [...].

[Autor que] preocupa-se com o conjunto de discursos efetivamente pronunciados em diferentes épocas, modalidades de gêneros e suportes textuais. A atenção está voltada para o modo como o discurso, em suas diferentes materializações, afeta nossa maneira de pensar, ver, dizer e fazer no presente. 

A cultura visual, como o termo sugere, entende que as interpretações visuais têm uma cultura, as quais afetam tanto o processo de produção como o de recepção. As imagens são construídas a partir de um repertório cultural, forjado no passado, e que, no presente, fixam e disseminam modos de compreender historicamente construídos.

A seguir, alguns dos princípios extraídos da articulação entre a cultura visual e aperspectiva foucaultiana, com a finalidade de realçar as singularidades no modo de trabalhar com as imagens:

1 - O foco não é a biografia ou o sujeito como gênio – Foucault refuta o culto ao gênio e à personalidade do autor como origem autônoma e transcendental de um discurso. Ele compreende que os sujeitos são específicos e modelados por regras e convenções construídas historicamente. A cultura visual, seguindo tal perspectiva, não se centra nos(as) artistas ou em outros(as) profissionais produtores de imagens. A biografia só interessa quando ajuda a compreender as mudanças processadas na produção visual. A atenção se volta para
a produção visual em geral e como fixam e disseminam modos de ver, pensar, fazer e dizer. Se para Foucault o tema central é o discurso e a produção de sujeitos, pode-se afirmar que o foco principal da cultura visual é a visualidade, comumente entendida como interpretações visuais construídas historicamente pelos sujeitos em diferentes épocas. Trata-se dos regimes de enunciação visual ou os modos como
passamos a ver de determinada(s) maneira(s) e não de outra(s);

2 - Não hierarquiza a produção visual – a produção visual, quer seja a consagrada e encontrada em galerias e museus, ou a mais corriqueira, detectável em cartazes, revistas, jornais, outdoors, roupas, objetos, decorações, projetos arquitetônicos e sites, sofrem os efeitos do discurso vigente em cada época. A cultura visual não faz hierarquizações entre as chamadas “obras de arte” e outras
modalidades de produção visual. O interesse de quem trabalha com cultura visual está em como as imagens, independente de ser artística ou não, produzem e fixam modos historicamente construídos de ver, pensar, fazer e dizer. Em decorrência, o trabalho com as imagens na cultura visual é essencialmente comparativo, pois imagens, de diferentes épocas e contextos culturais, ajudam a demonstrar como
determinadas representações persistem no presente;

3 - Não recorre ao passado para fazer exibicionismos – a investigação do passado é útil para conhecer desde quando se passou a pensar, ver, fazer e dizer de um determinado modo e não de outro. Não pretende, como alude a metáfora de Nietzsche, que nos tornemos caranguejos: “olhando para trás e acabando por acreditar para trás”. É possível afirmar, transpondo o mesmo qualificativo atribuído
às pesquisas de Foucault, que a cultura visual recorre ao passado para fazer uma “história do presente”. Ela desconfia do passado e o usa para questionar o presente de modo a enxergar novas veredas em relação ao futuro imediato;

4 - Não separa teoria e prática – para Foucault, a prática não é entendida como uma aplicação da teoria, como uma conseqüência da teoria como campos estanques e compartimentados. Teoria e prática podem ser vistas como “as faces” de uma mesma moeda. A cultura visual, por conseguinte, também não separa teoria e prática por entender que o saber enseja um fazer e que o fazer desvela um saber;

5 - Não é essencialista e formalista – a cultura visual não se contenta com a análise da configuração dos elementos visuais como se tivessem verdades a serem extraídas ou identificadas. Não se satisfaz com descrições psicológicas ou gestálticas sobre o que se vê. O foco da cultura visual é a interpretação das interpretações. A cultura visual não procura extrair interpretações desconectadas de um sentido, mas
problematizar como tais interpretações tornaram-se e são capazes de serem depreendidas;

6 - Não é evolutiva e linear – embora a diferenciação entre passado e presente esteja presente, a cultura visual questiona o sistema de interpretação escatológica,milenar e idealista, cuja noção de continuidade, evolução e progresso busca desconstruir;

7 - Não comunga com qualquer concepção de educação e de
currículo
 – como a persistência do passado torna difícil pensar uma escola diferente, a cultura visual também pretende ser uma tentativa de reorganização do espaço, do tempo, da relação entre docentes e alunos e dos saberes a serem ensinados. Não entende o currículo como uma “grade curricular”, mas como qualquer lugar ou oportunidade na qual se constitui ou se transforma a experiência de si. O brincar no recreio, participar de assembléias, de festivais, assistir a filmes,
fazer visitas, ver imagens, tudo é visto como elementos integrantes do currículo;

8 - Não é condizente com qualquer procedimento educacional – ao usar o diálogo como elemento de criação e de questionamento, a cultura visual recorre, dentre outros procedimentos possíveis, aos projetos de trabalhos. São modos flexíveis e cooperativos de ensinar e aprender, cuja finalidade é questionar visões rígidas e inflexíveis da realidade;

9 - Não contradiz outros referenciais do ensino de Arte “pósmoderno” – a análise de imagens é o ponto de continuidade entre a abordagem triangular, o multiculturalismo e a cultura visual, que considero as principais propostas do chamado “ensino de arte pós-moderno” veiculados no Brasil. Não as
vejo como contraditórias, mas perspectivas diferentes de análises de imagens e concebidas para serem abertas e flexíveis.



Erinaldo Alves do Nascimento é Doutor em Artes (ECA-USP); Mestre em biblioteconomia (UFPB) e Graduado em Educação Artística (UFRN). Professor do Departamento de Artes Visuais (UFPB) e Assessor Pedagógico em Gestão Curricular da Secretaria de Educação, Cultura e Esportes da Prefeitura de João Pessoa.
E-mail: katiery@terra.com.br.




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